HÁ PUSILANIMIDADE
A MAIS
Nestes tempos
conturbados em que vivemos, onde o velho conceito de Estado-Nação dá fortes
sinais de estar a passar à História, urge pensar sobre as questões de segurança
de pessoas e bens no interior das nossas fronteiras.
Sabemos como
começa a indisciplina cívica. A dúvida é saber como acaba. Tem elevados custos,
quer de ordem humana, – mortos, fome, desemprego, perseguições – quer
patrimoniais. Bom, muito bom mesmo, é esvaziar a tempo e horas as tensões que,
em momento oportuno, ficam incontroláveis.
Em 1915, cinco
anos após a queda da Monarquia, os conflitos partidários geraram uma disputa
entre o Poder Legislativo e o Executivo que, para além da péssima imagem que as
elites deram de si próprias, culminou na eliminação de Manuel Arriaga, da vida
pública. A 21/01/1920, a turbamulta tendo à frente dois conhecidos agitadores,
“Ó, Ai, Ó, Linda” e o “Pintor” impediu que o Governo de Fernandes Costa fosse
tomar posse a Belém. Os agitadores faziam parte de associações de marginais que,
explorando a pobreza, manipulavam o povo. A 19/10/1921 ocorreu a noite
sangrenta em que a sedição ditou a morte de vários Homens Públicos. Nas
eleições realizadas em Nov. de 1925, dos dois milhões de recenseados votaram
menos de trezentos mil. Teixeira Gomes – PR em exercício – pedia a dignificação
do Parlamento, mas infelizmente, para ele e para o País, saiu-nos em sorte o
enorme escândalo Alves dos Reis envolvendo o Banco de Portugal. A perturbação
social agudiza-se quando, a 01/01/1926 rebenta uma bomba no Paço Patriarcal, acirrando
a disputa com a Igreja. A 26/05/1926, antes de partir para Braga, Gomes da
Costa, disse ao jornalista Manuel Múrias: “Revolto-me! Você sabe o que
significa isto de um militar como eu dizer que se revolta? Significa que eu […]
chorei […] lágrimas de raiva e desespero pelos desesperos da Pátria amordaçada
pelas quadrilhas partidárias, ao sentir o ulular das clientelas vorazes que se
esfaimam a roer os ossos de Portugal, Malditos!” Estava aí revolução que, depois
de exilar Gomes da Costa para os Açores, implantou o Estado Novo.
Nenhum Estado
sobreviveria à indisciplina reinante em 1926. Ela justificava o uso da Força. O
medo das polícias e de todo o aparelho repressivo do Estado instalou-se com
Salazar e deveria ter terminado em 1974. Prometeram-nos um Estado que, fundamentado
em leis, garantiria segurança de pessoas e bens e, incluso, nos protegeria das
arbitrariedades de quem manda.
Desde logo as
arbitrariedades não foram erradicadas. A Paróquia da Ribeira Seca, freguesia de
Machico, ilha da Madeira, foi ocupada em 1985 por forças policiais durante 18
dias e 18 noites. Estava em causa um processo onde se quis “ver” crime, num
litígio do âmbito do Tribunal Eclesiástico. O Estado deixou-se aviltar. O medo continuava
a impor-se. Desde 1974 a comunicação social serviu a propaganda, e muito pouco a
cidadania. Os efeitos de tudo isto já se sentem, mas é preciso estar atento
para vê-los.
A promoção de espectáculos
de futebol, exacerba paixões. A TV dá-nos imagens violentas, onde é frequente
vermos polícias “atacando” indefesos cidadãos. Os nossos eleitos, caso a
pusilanimidade não os tolhesse, demarcar-se-iam das paixões clubísticas e não
permitiriam que, normalmente, saiam enxovalhados aqueles que têm por missão
garantir a segurança de pessoas e bens. Porém, a comunicação social e os eleitos querem-nos
a discutir se a PSP ou a GNR bateram, ou não, com muita força. Assim não se
aborda a razão profunda do negócio do futebol que, como se sabe, está assente
na especulação financeira.
Em 1915, um
diferendo entre o Poder Legislativo e o Executivo fez de Pimenta de Castro um
fora de lei. Em 1925, os cidadãos desinteressaram-se da coisa pública e
Teixeira Gomes tinha a noção do desprestígio do Estado. No ano da graça de 2017
temos todos estes ingredientes instalados na nossa sociedade e, diz-nos a
experiência, as mesmas causas levam aos mesmos efeitos.
A pusilanimidade
dos nossos eleitos atinge os alicerces do Estado de Direito. Estão muito a
tempo de darem um murro na mesa, assumindo, na plenitude, as funções para que
foram mandatados pelos nossos votos. O Dr. Salazar não voltará, mas tendo em
conta a demissão dos eleitos na defesa do real Interesse Colectivo, corremos o
risco de, em breve, termos instalada uma ditadura em que o Dr. Salazar ganhará
o estatuto de menino do coro. Basta pensarmos que ao vencedor do Festival da
Canção – Salvador Sobral – não foi permitido usar uma camisola chamando à
atenção para o Problema Humano dos Refugiados. O HOMEM e o seu sofrimento não
puderam ser lembrados. Mas se na camisola se referisse a marca de um negócio
planetário, o cantor seria generosamente recompensado. Este Mundo não é para
Seres Humanos.
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