segunda-feira, 15 de maio de 2017

HÁ PUSILANIMIDADE A MAIS


Nestes tempos conturbados em que vivemos, onde o velho conceito de Estado-Nação dá fortes sinais de estar a passar à História, urge pensar sobre as questões de segurança de pessoas e bens no interior das nossas fronteiras.

Sabemos como começa a indisciplina cívica. A dúvida é saber como acaba. Tem elevados custos, quer de ordem humana, – mortos, fome, desemprego, perseguições – quer patrimoniais. Bom, muito bom mesmo, é esvaziar a tempo e horas as tensões que, em momento oportuno, ficam incontroláveis.

Em 1915, cinco anos após a queda da Monarquia, os conflitos partidários geraram uma disputa entre o Poder Legislativo e o Executivo que, para além da péssima imagem que as elites deram de si próprias, culminou na eliminação de Manuel Arriaga, da vida pública. A 21/01/1920, a turbamulta tendo à frente dois conhecidos agitadores, “Ó, Ai, Ó, Linda” e o “Pintor” impediu que o Governo de Fernandes Costa fosse tomar posse a Belém. Os agitadores faziam parte de associações de marginais que, explorando a pobreza, manipulavam o povo. A 19/10/1921 ocorreu a noite sangrenta em que a sedição ditou a morte de vários Homens Públicos. Nas eleições realizadas em Nov. de 1925, dos dois milhões de recenseados votaram menos de trezentos mil. Teixeira Gomes – PR em exercício – pedia a dignificação do Parlamento, mas infelizmente, para ele e para o País, saiu-nos em sorte o enorme escândalo Alves dos Reis envolvendo o Banco de Portugal. A perturbação social agudiza-se quando, a 01/01/1926 rebenta uma bomba no Paço Patriarcal, acirrando a disputa com a Igreja. A 26/05/1926, antes de partir para Braga, Gomes da Costa, disse ao jornalista Manuel Múrias: “Revolto-me! Você sabe o que significa isto de um militar como eu dizer que se revolta? Significa que eu […] chorei […] lágrimas de raiva e desespero pelos desesperos da Pátria amordaçada pelas quadrilhas partidárias, ao sentir o ulular das clientelas vorazes que se esfaimam a roer os ossos de Portugal, Malditos!” Estava aí revolução que, depois de exilar Gomes da Costa para os Açores, implantou o Estado Novo.

Nenhum Estado sobreviveria à indisciplina reinante em 1926. Ela justificava o uso da Força. O medo das polícias e de todo o aparelho repressivo do Estado instalou-se com Salazar e deveria ter terminado em 1974. Prometeram-nos um Estado que, fundamentado em leis, garantiria segurança de pessoas e bens e, incluso, nos protegeria das arbitrariedades de quem manda.

Desde logo as arbitrariedades não foram erradicadas. A Paróquia da Ribeira Seca, freguesia de Machico, ilha da Madeira, foi ocupada em 1985 por forças policiais durante 18 dias e 18 noites. Estava em causa um processo onde se quis “ver” crime, num litígio do âmbito do Tribunal Eclesiástico. O Estado deixou-se aviltar. O medo continuava a impor-se. Desde 1974 a comunicação social serviu a propaganda, e muito pouco a cidadania. Os efeitos de tudo isto já se sentem, mas é preciso estar atento para vê-los.  

A promoção de espectáculos de futebol, exacerba paixões. A TV dá-nos imagens violentas, onde é frequente vermos polícias “atacando” indefesos cidadãos. Os nossos eleitos, caso a pusilanimidade não os tolhesse, demarcar-se-iam das paixões clubísticas e não permitiriam que, normalmente, saiam enxovalhados aqueles que têm por missão garantir a segurança de pessoas e bens. Porém, a comunicação social e os eleitos querem-nos a discutir se a PSP ou a GNR bateram, ou não, com muita força. Assim não se aborda a razão profunda do negócio do futebol que, como se sabe, está assente na especulação financeira.

Em 1915, um diferendo entre o Poder Legislativo e o Executivo fez de Pimenta de Castro um fora de lei. Em 1925, os cidadãos desinteressaram-se da coisa pública e Teixeira Gomes tinha a noção do desprestígio do Estado. No ano da graça de 2017 temos todos estes ingredientes instalados na nossa sociedade e, diz-nos a experiência, as mesmas causas levam aos mesmos efeitos.

A pusilanimidade dos nossos eleitos atinge os alicerces do Estado de Direito. Estão muito a tempo de darem um murro na mesa, assumindo, na plenitude, as funções para que foram mandatados pelos nossos votos. O Dr. Salazar não voltará, mas tendo em conta a demissão dos eleitos na defesa do real Interesse Colectivo, corremos o risco de, em breve, termos instalada uma ditadura em que o Dr. Salazar ganhará o estatuto de menino do coro. Basta pensarmos que ao vencedor do Festival da Canção – Salvador Sobral – não foi permitido usar uma camisola chamando à atenção para o Problema Humano dos Refugiados. O HOMEM e o seu sofrimento não puderam ser lembrados. Mas se na camisola se referisse a marca de um negócio planetário, o cantor seria generosamente recompensado. Este Mundo não é para Seres Humanos.    

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