DEMOCRACIA E DEMAGOGIA
A soberania do Povo, a
menos má das formas de governação conhecidas, por vezes, é atacada por um vírus
terrível que pode levá-la à morte. A governação dos Povos acarreta alguma
demagogia e ela é desculpável enquanto não ganha dimensão patológica. Quando,
aparece alguém possuidor de um discurso fácil e emotivo que arrebata multidões,
ameaçando as regras da governação, incutindo a ideia de que resolve os medos
vividos pelo homem comum no seu quotidiano, temos um demagogo perigoso nessa
sociedade. Aí chegados, acautelemo-nos.
Há circunstâncias históricas propícias
a estas ocorrências. O Mundo, neste momento, reedita os anos trinta do séc. XX.
Na actual campanha eleitoral para a Presidência dos USA, na sua linguagem de lupanar, o
demagogo Trump já fez estragos no seu País, com sequelas no Mundo, que chegam e
sobram. Trump assume, para pior, na linguagem e na mensagem, aquilo que de mau
fez o Padre Couglin, a partir de 1926. Era a moda, na época, o recurso à rádio
para propagar as ideias. Exímio orador, esse Católico Irlandês, e em tempos de
primazia dos brancos anglo-saxónicos, esqueceu o melting pot americano que
incluía, desde a Revolução, tensões várias onde se destacava o Ku Klux Klan e o
seu terror. Apoiou, inicialmente, o New Deal. Instalada a tempestade perfeita
nos USA e no Mundo, o anti-comunista Couglin, que usara a rádio para a mensagem
Religiosa, entrou no anti-semitismo e pregava que os operários deveriam, em
nome Deus, combater a ganância dos banqueiros. Anos, muitos milhões de mortos e
destruição, depois, construiu-se, em 1946, a Paz dos Vencedores, como já acontecera
em 1919.
Hoje as condicionantes político-financeiras recriam a Grande
Depressão. Trump, na peugada de Couglin, que usara a rádio, recorre,
despudoradamente, à TV e às mais sofisticadas técnicas de propaganda para entrar
no coração dos eleitores. Dizendo aquilo que agrada aos brancos anglo-saxões
desempregados, esquece que os muros que quer construir para “afugentar” os “ladrões
de empregos”, vindos do exterior, vão acordar fantasmas adormecidos desde há
muito, gerando conflitos graves no País e na vizinhança. Convinha não esquecer
que do México à Patagónia, desde o tempo do Presidente Monroe, vigorou o quero posso e mando dos USA, mas a estas mentes, cuja ambição é o poder, a destruição
e o sofrimento nada lhes diz. O seu émulo é Putin, um aventureiro surgido da
implosão do regime soviético que, não hesita em eliminar as pessoas de quem não
gosta à boa maneira do KGB donde veio. Putin foi trazido à colação, durante a
campanha para ajudar Trump a denegrir a adversária, pouco se importando este com
os interesses do Estado.
A Paz de 1946, ressalvando uns casos localizados, pode
dizer-se que durou 43 anos. Em 1989 tudo mudou. As pessoas motivam-se e lutam
por aquilo em que acreditam. Pode ser uma simples rixa por causa da equipa de
futebol e, subindo na hierarquia, chegaremos até ao combate ao totalitarismo. A
Liberdade, imortalizada no nosso hino da Maria Fonte, – lá ia a intrépida
Lutadora de pistola à cinta a tocar a reunir – merece que lutemos por ela
contra todos os Trumps e Putins deste Mundo. O Pe. Couglin tinha sobre Trump
uma importante vantagem. Era um homem culto, cujo erro terá sido invocar o nome
de Deus para atirar os Homens uns contra os outros. Banqueiros contra
desempregados, Católicos contra Judeus e comunistas contra não comunistas. Admitia
Couglin que o mal estava com os banqueiros. Dizia ele: “não deixem o trabalho
ser capaz de dizer que ele é levado para as fileiras do socialismo pela
ganância desmedida…” Hoje sabemos que não é rigorosamente assim, entre os
totalitarismos de Hitler e Estaline há muitas outras alternativas. Aos
demagogos também se lhes conhecem boas ideias.
Infelizmente, como no tempo de
Hoover e Roosevelt, uma grave crise abateu- sobre todo o sistema financeiro. É
o tempo ideal para surgirem os Trumps. Hoje, a Mensagem Cristã doutrora, deve
ser analisada nas suas duas componentes. Na vertente Religiosa, foi assumida
pelo próprio Papa Francisco que coloca o Homem no Centro do furacão, que ganha cada
vez mais força e, começa a desabar sobre as nossas cabeças pedindo, aos dirigentes
que decidem a Guerra e a Paz, que pensem em quem sofre. A outra componente,
totalmente terrena, tem que ver com a “ganância dos banqueiros”. A luta,
comunismo anti-comunismo, em breve, estará circunscrita à luta entre “ganância”
e “trabalho”. As nuvens que pairam no ar são negras. Oxalá ainda estejamos a
tempo, ao contrário de 1939, de evitar o pior, com mais uma devastação de consequências
imprevisíveis. Curiosamente, esta disputa entre a “ganância” e os interesses dos
Homens humildes tem dois Portugueses em posições de destaque. À “ganância” de
Durão Barroso opõe-se o Humanismo de António Guterres.
Todos aplaudiríamos a
vitória de Guterres, mas, confesso-vos, não estou nada optimista.